sábado, 19 de março de 2011

Ofusca Letrado com Som 3: Sangue

Chico (Pernambuco, julho de 2009)

Sangue meu rega terras onde os olhos já apagaram poeira

E aquece frios ventres um dia de toque cálido-tenro-protetor

Transfunde-se em artérias – fica

Fico eu

Fincam-se a ele

Sonhos mútuos em anagramas pelo vento...

Esguicha, bole com a razão

Mas despenca – santa gravidade

Alimento compartilhado

Escambo escarlate

Híbrido, pois

Ramificações propagam-se num ritmo hemorrágico

Como quentes afluentes esticados

Mas não elásticos

Rebentos de um músculo elástico

Mas nem tanto!

O perímetro aumenta

Leva-me em perspectiva

Novos rebentos, fragmentos meus

Mais sangue para não secar

O coração espreme ritmado

Rege o tom do silêncio

Pulso vivo...

Rubro sangue meu

Retorna para mim

Traz-me consigo



Postagem acompanhada de Inezita Barroso, no Viola Minha Viola

terça-feira, 1 de março de 2011

Ofusca Letrado com Som 2: Pés


Eram ares de céu azul

Vindos das cores de sol brilhante

O vento soprava espalhando o dia

Que lambia os descalços pés pequenos,

Vários deles, aos pares

Acordavam

Massageando a terra que os mantinham

E mantinham o dia

Que cabiam nos dias

De negros girinos no córrego de rio doce

E dos jogos salgados de bola

Das trilhas pelo mato

Ah! o verde cheiro de mato

Pés que cabiam em pinguelas

Pulavam cordas e medos

Subiam em pés de fruta

Colhiam frutas do pé

Ah, pequenos, onde foi que criastes raízes?

Onde estão os teus doces frutos?

E quando a noite chegava roubando-lhes a luz

Iluminavam-se de vagalumes e constelações

Numa grande roda marcavam o compasso de longas prosas

Diariamente, noturnas

Rodeada de um negro punhado de pares

Que levavam nos pés a história de um dia

De dias feitos de pequenas pegadas

Histórias desfeitas em sabão e água

Para dormirem...

Repouso sereno de pés pequenos

Que mesmo em miniaturas

Sustentavam uma vida tão grande

Mas de uma leveza autossustentável

Dormiam para um novo dia lamber-lhes

E avançarem mais um milímetro

Foi assim que as pegadas aumentaram

Tanto

Até sumirem...


Hoje, ao som de fusca e laralaiás de Walter Franco e "A vida é dura" com Demônios da Garoa e Benito di Paula

domingo, 5 de dezembro de 2010

Ofusca Letrado com Som 1: Acalanto noturno



O que está em mim

que insiste em escapar pela garganta

Ao ver o céu, numa noite estrelada

Que chega, enlaça

cada um de seus filhos

lançando seu veludo azul

Atiro-me a ele

como quando mãe um dia fizera

ninando em seus braços

a criança que dormiu sem se sentir só

Ao ser embalada pela noite cintilante –

a mesma que acalentou minha mãe, minha avó

e acalentará meus filhos –

saudade se expande

e como não tive tempo para crescer

quer sair pela boca



"And a new day will dawn for those who stand long"
no rádio d'ofusca: Led Zeppelin (Stairway to heaven)